quinta-feira, 12 de julho de 2012

THE MOST TERRIBLE NIGHTMARE... THE MOST HORRIBLE DREAM




Horror. Desde os primeiros vestígios do gênero no cinema, não foram poucos os artistas que se empenharam para promover a edificação do mal-estar nas salas de projeção. Dentre realizadores e atores, muitos se alçaram ao status de ícones do cinema de horror, mas poucos se tornaram verdadeiras lendas, perpetuadas não somente pela memória do cinema, mas também como a imagem/produto da indústria da cultura.

Ao lançar a proposta “cinema de horror” ou “filmes de terror”, é fato que, para a maioria das pessoas, haja associações com imagens tenebrosas, perseguições e gritos intermináveis. Para o grande público, talvez seja mais recorrente relacionar o gênero às figuras caricatas como o Brinquedo Assassino e Fred Krueger, ou se levar por influências contemporâneas, como os sanguinolentos filmes de massacre (as franquias “Premonição” e “Jogos Mortais”), que se disfarçam como cinema de horror, enquanto são apenas mortes em série sem argumentos convincentes.

No cinema, o caráter de clássico não se limita apenas aos filmes antigos. Produções contemporâneas também têm o potencial de atingir esse prestígio. Como dito por inúmeros críticos, “um clássico imediato”. Portanto, até mesmo na leva dos últimos filmes da década de 2000, podemos encontrar amostras do horror genuíno, cunho que, por mais de um século, elevou determinadas representações fílmicas do terror à qualidade de clássicos indispensáveis.

Dentre as produções que cumprem o horror com brilhantismo, selecionei os títulos e informações sobre as tramas. Agora, caberá a você se imergir nesse universo de ansiedade e inquietação, descobrindo ou rememorando as tragédias de horror mais cultuadas no cinema.

LE SPECTRE ROUGE (1907), de Segundo de Chomón


Neste pequeno filme dos primórdios do cinema, o Mago Demoníaco realiza performances macabras numa gruta. Ele usa mulheres para a demonstração de sua magia, dialogando diretamente com o espectador (algo muito comum nessa primeira fase do cinema). O que para nós é um espetáculo, mistura de medo e comédia circense, para as mulheres na trama é uma verdadeira tortura. Porém, um Bom Espírito surge para reivindicar a liberdade das vítimas e extinguir as atrocidades do feiticeiro. Curioso interpretar a derrota do Mago pelo Espírito, representado por uma atriz, como uma crítica ao machismo e ao sistema patriarcal.

NOSFERATU (1922), de F.W. Murnau


Baseado no romance gótico de Bram Stoker, “Drácula”, este clássico expressionista acompanha a obsessão de Conde Orlok por uma nova e importante hóspede em seu castelo. O vampiro interpretado por Max Schreck é pioneiro das representações do Conde Drácula e do próprio culto ao vampirismo no cinema.

METRÓPOLIS (1927), de Fritz Lang


Trama futurista que serviu de base para inúmeras obras da ficção científica, leva o horror ao patamar psicológico. Baseando-se na verídica desigualdade social na qual se encontrava o estado alemão, o filme expõe um futuro onde os ricos vivem próximos ao paraíso, no topo dos edifícios, enquanto os pobres e operários vivem no subsolo, escravizados pela ambição dos poderosos. A produção também insere no cinema um medo genuíno do futuro, ao confrontar a eficiência limitada dos homens com a eficiência inesgotável das máquinas, lançando a questão sobre uma possível substituição da mão-de-obra humana pela mecânica, acarretando na extinção da classe trabalhadora por sua inutilidade.

FREAKS (1932), de Tod Browning


Com um elenco de deficientes físicos e mentais verdadeiros, a narrativa acompanha o cotidiano de uma trupe circense. Ao descobrir que o anão Hans possui uma grande fortuna, a bela e preconceituosa Cleopatra decide se casar com ele. Tudo não passa de uma armação, exposta pelos descuidados e a repulsa de Cleo pela “família” de monstros do circo. A vingança dos freaks contra a golpista está entre as cenas mais funestas do cinema.

PSICOSE (1960), de Alfred Hitchcock


Marion Crane sendo esfaqueada no chuveiro está na memória de quem, inclusive, não viu o filme. A cena ilustre foi filmada em 70 ângulos diferentes, por 7 dias. A trilha sonora é a mais recorrente nas representações de pavor ou suspense, sendo inclusive vulgarizada, como nos populares programas de TV aos domingos. O filme contribuiu para firmar ainda mais a alcunha de Hitchcock como Mestre do Suspense. Interessante como a trama evolui de suspense policial para terror psicanalítico, imortalizado numa das frases mais celebradas do cinema, “A boy’s best friend is his mother”. As filmagens de “Psicose” serão retratadas em “Hitchcock and the making of Psycho”, estrelado por Anthony Hopkins e estreia prevista para 2013.

O QUE TERÁ ACONTECIDO A BABY JANE? (1962), de Robert Aldrich


Duas lendas da Hollywood clássica se encontram nessa produção surpreendente. Bette Davis e Joan Crawford interpretam, respectivamente, as irmãs Baby Jane e Blanche Hudson. Quando crianças, Jane era a estrela da família, cantando em teatros, enquanto a irmã era constantemente reprimida. Quando moças, Blanche ingressa numa carreira monumental como atriz de cinema. O sucesso mirim de Jane, todavia, é minguado até desaparecer. Apesar das desavenças entre elas, o destino une uma Jane desequilibrada, entregue ao alcoolismo, a uma Blanche novamente fragilizada, paraplégica após um acidente. Já próximas dos 60 anos, Blanche decide internar a irmã em uma clínica de repouso. A notícia transtorna Jane e a impulsiona a transformar a vida de Blanche em um verdadeiro pesadelo. Além da trama inteligente, é interessante o modo como Bette e Joan são representadas na juventude, com a utilização de trechos de filmes estrelados pelas próprias na década de 1930. As magníficas performances se salientam pelo fato de que as protagonistas não se simpatizavam na vida real. Rumores apontam que as agressões entre elas, no filme, não eram encenações e sim tapas, chutes, arranhões e puxões de cabelos reais.

O BEBÊ DE ROSEMARY (1968), de Roman Polanski


Ao se mudar com o marido para um novo apartamento, Rosemary Woodhouse começa a se incomodar com a extrema dedicação e os secretismos dos vizinhos, suspeitando ser vítima de alguma conspiração. Após tomar conhecimento sobre o passado macabro do prédio onde mora e das seitas satânicas conduzidas por inquilinos de outrora, Rosemary, agora grávida, suspeita que os vizinhos são bruxos e pretendem raptar seu bebê após o nascimento para ofertá-lo ao demônio. As incertezas e hesitações de Rosemary, acentuadas pelo estímulo claustrofóbico do apartamento, são pontos altos do filme, levando o espectador às mesmas dúvidas sobre o que pode ou não ser a realidade.

O EXORCISTA (1973), de William Friedkin


Garota possuída por um demônio é o pano de fundo para um argumento que explora, sobretudo, a culpa. A maldade aqui representada surge num ambiente de negligência materna. A possessão de Regan, filha de uma atriz bem sucedida, atrai personagens que carregam igualmente, por razões pessoais distintas, personalidades conflituosas, afetadas pelo egoísmo, a covardia e o menosprezo pelas relações familiares. Tecnicamente impecável ao retratar as facetas da jovem possuída, o filme ganha, sobretudo, por uma crítica e reflexão sobre a família e a posição da fé na efêmera sociedade americana da década de 1970.

O ILUMINADO (1980), de Stanley Kubrick


Família confinada em hotel vê-se às margens da tragédia, quando o patriarca é atingido pelas perturbações do isolamento em plena crise criativa. O diretor nos oferece uma história de fantasmas sem apelos grotescos. Belamente iluminado, o filme é plasticamente impecável. Os principais momentos de tensão e horror provêm dos ruídos em cena e da trilha sonora, mas, sobretudo, das interpretações, expressões célebres do trio de atores que compõem a família Torrance. É um filme de rostos. O momento em que o pai e escritor atormentado, interpretado por Jack Nicholson, arromba a porta do banheiro com um machado enquanto a mulher grita em desespero, interpretação veemente de Shelley Duvall, além de ápice da projeção, tornou-se a marca do filme, clássico do cinema, perpetuada até hoje das mais diversas formas, como em camisetas e ímãs de geladeira.

O SILÊNCIO DOS INOCENTES (1991), de Jonathan Demme


Fábula do horror, acompanha as peripécias de Clarice Starling, uma agente do FBI apadrinhada por Hannibal Lecter, um canibal encarcerado que a ajuda compreender e caçar um serial killer. Performance lendária de Anthony Hopkins na pele do maníaco Hannibal. A contratação do ator deveu-se a sua interpretação como Dr. Treves em “O Homem Elefante”. Ao questionar o contrato, afirmando que Treves era uma personagem do bem, o diretor Jonathan Demme respondeu, “Hannibal Lecter também é um homem bom, porém preso numa mente insana”.

OS OUTROS (2001), de Alejandro Amenábar


Numa mansão cercada pela névoa, Grace, a proprietária, admite novos empregados em meio às dificuldades em criar os filhos sensíveis à luz, enquanto mantém, de forma homérica, a esperança de que o marido retorne da guerra. Um tempo após a acomodação da nova criadagem, ela desconfia que a casa esteja sendo assombrada e que os próprios empregados se tratam de fantasmas. O visual e postura de Nicole Kidman foram tentativas de recriar a aura de Grace Kelly, atriz clássica da década de 1950, nas telas. Um filme atraente pela reviravolta na narrativa.

ANTICRISTO (2009), de Lars von Trier


Garoto com menos de 2 anos se joga pela janela de um prédio. A mãe em luto, dominada pela ansiedade, começa a ser tratada pelo próprio marido. Numa tentativa de encerrar o tratamento, promovendo a cura da mulher pelo confronto direto com o medo, o marido a leva a uma cabana na floresta. A narrativa, então, evolui de drama da perda para um tratado psico-antropológico sobre as relações entre o feminino, a natureza, a intervenção masculina e a maldade. Destaque para os recursos dramáticos da câmera lentíssima de Von Trier e a interpretação atroz de Charlotte Gainsbourg. A maior expressão do horror no cinema da última década.

A PELE QUE HABITO (2011), de Pedro Almodóvar


Renomado cirurgião plástico desenvolve pele artificial em cobaia humana. O cinema do desejo de Almodóvar encontra no horror um perfeito aliado para narrar a história do envolvimento entre cientista e cobaia, criador e criatura. Com ecos de “Frankenstein” e “Os Olhos Sem Rosto” (outros clássicos do horror), o filme atormenta com estética minimalista e reflexões existenciais profundas. Marcou o retorno de Antonio Banderas ao universo almodovariano, além de reascender a discussão sobre erotismo e sexualidade na filmografia do diretor.

sábado, 7 de julho de 2012

DON’T EVER TAKE SIDES AGAINST THE FAMILY… EVER


Famílias... Tão diferentes à primeira vista, mas infinitamente iguais no íntimo. Salvo por alguns membros dissidentes, uma família se define pela cumplicidade. “Almoça junto todo dia, nunca perde essa mania”. Minha última dobradinha no cinema está imersa nos valores dessa instituição. Duas histórias completamente opostas tratando, cada qual a seu modo, das farinhas de mesmo saco. “Família... Cachorro, gato, galinha”.

DEUS DA CARNIFICINA (2011), de Roman Polanski


Meu primeiro pensamento ao final da sessão foi “O que Almodóvar faria com esse roteiro?”. Foi algo pertinente, pois o rocambole de situações tragicômicas e emoções à flor da pele se encaixariam perfeitamente na filmografia do espanhol. O cinema de Polanski nunca havia me chocado tanto com o riso desde quando o próprio se travestiu em “O Inquilino”, ou quando Peter Coyote ridiculamente imitou um leitão numa sequência de humilhação fetichista em “Lua de Fel”.

O filme começa com um plano contemplativo, sobre o qual são exibidos os créditos iniciais. A imagem nos mostra um parque nova-iorquino... Crianças brincam, barcos passam ao fundo. Não me espantaria se Madonna fizesse uma breve aparição trajando camisa listrada, assoviando “Papa Don’t Preach”, já que o confronto de filosofias em família é o conceito deste filme. Por fim observamos um garoto acertar outro na cara usando um pedaço de pau.

A história então começa! Penelope e Michael Longstreet são os pais de Ethan, o garoto agredido por Zachary, filho de Nancy e Alan Cowan. A família de agressor elabora uma visita à família de agredido para conversarem, entre pais, sobre que medidas tomar em relação aos garotos. O encontro, que a princípio é impossível ser mais polido, transforma-se gradativamente num embate de perspectivas que, num contexto imaginário, idealizei como uma guerra entre os Dursley e os Corleone.

OS LONGSTREET. Penelope é dona de casa dedicada... Prepara receitas gourmet, coleciona catálogos de arte, as tulipas que ornamentam sua sala vieram exclusivamente da Holanda. Dedicada aos estudos sobre a miséria da sociedade africana, acredita piamente na educação humanista e no amor à arte como as chaves para o sucesso pessoal dos filhos. Essa mãe complacente é vivida por Jodie Foster, que emprega à personagem uma fragilidade raramente vista em seus trabalhos anteriores. Michael é John C. Reilly, o eterno Sr. Celofane, em papéis coadjuvantes de maridos oprimidos pela opulência racional das mulheres.

OS COWAN. A Nancy de Kate Winslet é incrivelmente imprevisível e histérica, como uma versão adulta de sua Clementine Kruczynski de “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças”. Já o Alan de Christoph Waltz é menos feroz, mais próximo da aura de moleque zombeteiro, ainda que mantenha seu ar nazi-impiedoso de “Bastardos Inglórios” que, particularmente, me espanta. Ambos concordam que o filho merece algum tipo de punição, mas estão longe de simpatizar com os métodos e termos empregados, sobretudo, por Penelope Longstreet.

POLANSKI. Com direção descontraída e certeira, o realizador retorna à glória adormecida desde “O Pianista”. Neste enredo à la “O Anjo Exterminador”, que se passa integralmente na sala dos Longstreet e em que diversas situações impedem que a reunião termine sempre que desejada, culminando na queda das máscaras e bons modos, Polanski exerce sobre as neuróticas personagens e os espectadores um dos aspectos mais fascinantes em sua filmografia: a claustrofobia nervosa, sobretudo nesse cárcere social chamado apartamento.

Nesse quesito, o cineasta acumula grandes sucessos. Desde os primeiros anos de seu trabalho, dedicou-se à exploração dos vícios humanos, observados do ponto de vista mais íntimo. O apartamento é o símbolo máximo dessa carreira, o lar de suas personagens em conflito, de onde se observa o que há de vil lá fora e o que apodrece por dentro... O espelho de uma humanidade acuada, amedrontada, que se perde no próprio medo e nas dúvidas e solidão, deteriorando-se nesse pesadelo construído em forma de lar.

Reflexo lógico da vida de um diretor que passou a existência em fuga, sempre privado da forma mais singela de liberdade. Polanski nasceu em 1933, judeu sobrevivente do holocausto em 1945, teve a mulher gestante brutalmente assassinada em 1969, foi condenado à prisão domiciliar na Europa até pouco tempo, por um suposto abuso sexual. Marcado por perdas e sofrimento, não deixou de se tornar e se manter um profissional brilhante, um grande artista.

Sobre a vida sutilmente encarcerada, produziu tratados profundos em análises psicanalíticas e estéticas. Destaco, sobretudo, “Repulsa ao Sexo”, “O Bebê de Rosemary”, “O Inquilino” e “O Pianista”. Relatos em que o apartamento se transforma na encarnação dos pavores mais íntimos de seus moradores. O mesmo fator torna valioso “Deus da Carnificina”. O espetáculo da degradação humana, mesmo arrancando risos, a ida ao inferno, todos os círculos...

SOMBRAS DA NOITE (2012), de Tim Burton


Burton vive sua fase mais popular no cinema! Temo que realmente tenha se alçado ao mais novo nome do cinema de populacho. Tenho calafrios em pensar que a sequência de “Os Fantasmas Se Divertem” pode se tornar mais um exemplar, perdoem-me a sinceridade, cagado na filmografia recente do exótico Tim... Ou seria a exaustiva repetição de Johnny Depp como protagonista, ininterruptamente desde 2005, a causa de tamanho relapso? Francamente, Burton estacou desde “A Fantástica Fábrica de Chocolate”. A fotografia leitosa, os rostos extremamente brancos. O cineasta nunca perdeu o tato para a direção de arte, a escolha do elenco, a confiança nos acordes de Danny Elfman, o próprio dom da direção. Mas ultimamente parece ter se tornado fantoche dos critérios povão dos produtores e peripécias mal estruturadas por roteiristas contratados. A escolha de Depp também incluída no aspecto povo... “Piratas do Caribe” o lançou aos papéis mais bizarros de sua carreira. O que não considero interessante, já que todos acabam por parecer a mesma entidade devido à proximidade dos trabalhos e semelhante grau de excentricidade nas personagens. A voz, os trejeitos... Em Burton especialmente, já que o diretor amou a fotografia digital e não passa mais um filme sem fazer com que os atores pareçam ter recebido um banho de leite, sobretudo Depp. O ator caiu no gosto popular com “Piratas”. Seu nome chama mais atenção do que qualquer outra coisa. Atrai principalmente adolescentes, ou aquele espectador sem idade específica que se satisfaz apenas em ver um Depp afetado e piadista em situações que parecem citar “Chapolin”.

“Sombras da Noite” foi, a princípio, uma surpresa. Eu esperava muito menos e quase desisti de assistir na última hora. Seria um ótimo filme se não tivesse me dado três incômodos, sendo que dois se situam justamente no clímax e foram capazes de murchar tudo que eu já havia adorado na projeção.

É a história da família Collins de Collinsport, desgraçados por uma maldição. Família de viúvos e filhos com hábitos estranhos, como conversar com os mortos. O feitiço em questão abre o filme e nos apresenta o protagonista, Barnabas Collins ‘Depp’, que ao partir o coração de uma bruxa é transformado em vampiro e enterrado nos arredores de seu povoado no século XVIII. Quase duzentos anos depois, a jovem Victoria Winters segue jornada à Collinsport para se tornar a nova tutora de David Collins, o mais jovem da família. A década é 1970 e nesse quesito o filme é impecável! A trilha é deliciosa, bem como as representações da época nas atitudes, figurino, palavreado... Helena Bonham Carter está no melhor estilo Joana Fomm em “Dancin’ Days”. Formidável!

Nesse cenário disco, o imortal Barnabas é acidentalmente desenterrado. Retornando à sua mansão, abre o jogo sobre sua condição com Elizabeth Collins, a atual chefe da família vivida pela eterna felina Michelle Pfeiffer. Instalado por ela como um primo chegado da Inglaterra, Barnabas usa de sua fortuna intocada em um cofre secreto para reestruturar os negócios da família. Paralelamente utiliza seus dons sobrenaturais para influenciar os cidadãos de Collinsport e vingar-se da também imortal Angelique, a bruxa que o amaldiçoou.

O filme caminha muitíssimo bem... Boa dose de suspense, humor, tensão, rock, folk e composições épicas. Barnabas é uma bela peça na filmografia de Burton, carregado de caligarismo. Me encantei com seu modo de posicionar as mãos enquanto dorme, ou quando dorme de cabeça para baixo... Um morcegão, de fato.

Agora os incômodos. Primeiro a cena de sexo entre Barnabas e Angelique... Muito do que se passou depois me fez aliviar a gastrite iniciada nessa sequência. Se fosse a única coisa avacalhada, eu aplaudiria no final. A cena abusa dos movimentos rápidos de câmera, para demonstrar a intensidade do ato sem burlar a classificação indicativa. Pretendeu ser cômico, mas não dei uma risada. Muitos riram, mas eu não. Mesmo! Achei palhaçada, cúmulo do exagero, apelo desnecessário àquela altura do filme, como se tivesse obrigação de fazer com que as crianças se distraíssem com essa situação tola, no lugar de realmente fazer algo sensual e marcante. Não precisava ser explícito, mas que tivesse o charme à altura de Eva Green. Poderia ser a nova lambida da Mulher-Gato se não tivesse se tornado um pastelão de doer os olhos e ouvidos.

Segundo incômodo. Não darei nenhum detalhe, pois se trata precisamente do clímax, a sequência final em que tudo se decide! Novamente, poderia ter sido mais simples e marcante. O que aconteceu foi um carnaval de eventos, pautados por um turbilhão de efeitos especiais. Senti como se aquilo fosse feito pela obrigação de ter efeitos especialíssimos no filme, como se fizessem muita diferença. Não era preciso tanto. Ação corporal e um diálogo triunfante bastariam... Mas não. Muitos corpos e coisas voando, objetos ganhando vida, um fantasma que não precisava ter aparecido só pra ser mais um efeito. Isso sem falar na personagem que revela, desnecessariamente nesse último momento, que é um lobisomem. Além de parecer mais uma desculpa para entreter criança e usar de tecnologia, a performance não foi convincente. A pessoa em questão estava tão bem na personagem durante todo o filme, mas naquele momento parecia estar encenando uma peça escolar. Vergonhoso...

Por fim, no lugar de terminar o filme com uma última imagem bem composta, acompanhada de uma fala que amarra princípio e fim, o diretor chutou o balde e colocou mais uma sequência que poderia até vir depois dos créditos finais. E eu disse “poderia”. A informação nessa ceninha é extremamente óbvia para quem se atentou aos menores, e este nem foi tão discreto, detalhes do filme. Pareceu artimanha de produtor, como se quisesse aguçar a expectativa de uma continuação. A cena é rápida, mas aniquila a recepção da sequência anterior, que é bonita, dramática, realmente o final do filme, o final da história.

Como não vejo sentido em dar nota, estrelinhas, para produtos de arte, simplesmente digo que me decepcionei. Se fosse juntar tudo que me incomodou, deve durar menos de 20 minutos. O filme tem 113 minutos, mas mesmo assim, nas circunstâncias dos erros, não posso considerar como um trabalho digno de Tim Burton. Pareceram coisas exigidas para chamar atenção. Uma criança ou o espectador comum podem ficar alvoroçados com isso, algo que chama atenção pelo excesso, porém um mau excesso, um desfile de artifícios pobres. Se o filme fosse montado de novo sem esses exageros gráficos e participações pífias no clímax, eu iria amar. Espero que Burton se atente daqui em diante e volte a ser o verdadeiro criativo por trás de tudo em seus trabalhos. Que se lembre da premissa de tocar seu público com os sentimentos e não apelar tanto para as modinhas de Hollywood.

sábado, 23 de junho de 2012

IT CAME FROM OUTER SPACE



Onde está Deus?

Sou um homem de fé, amante da natureza e seus atributos. Sempre concebi Deus como tudo que existe. Acredito que todo tipo de vida está relacionado não só em nosso planeta e no presente, como em toda a extensão do universo e linhas temporais possíveis. Vejo Deus, a providência, o milagre, como uma energia, poderosa e infinita, que estabelece uma analogia entre todo tempo/espaço e é responsável por impulsionar as ações e promover reações entre os vivos, os mortos, até mesmo os que não se comunicam por gestos ou palavras, mas são organismos lúcidos e vitais, como nossa Terra. Não sei ao certo quando adotei essa perspectiva... Porém, por mais que este pensamento fosse antigo e definitivo, há algum tempo atrás tinha deixado de refletir sobre a natureza e os mistérios da existência, esquecendo-me até mesmo de me apegar a fé em inúmeros momentos de fraqueza e dificuldade. Foi então que em Setembro de 2011 tive uma grata surpresa...

O filme “A Árvore da Vida” ganhou a Palma de Ouro em Cannes ano passado. Eu já tinha ciência disso desde a premiação em Maio. Como em todos os anos, já estava curioso para assistir o grande vencedor desse prêmio tão nobre. Em Juiz de Fora, onde eu ia ao cinema quando ainda morava em Minas Gerais, os filmes de arte sempre chegam atrasados ou nem chegam. O que é lamentável... Para uma cidade tão empinada, que se intitula como Manchester Mineira, é vergonhoso constatar que há tempos a cultura do cinema permanece engessada. Enfim, “A Árvore da Vida” teve sua estreia quase ao fim do ano passado e fui assistir, aliviado por não ter perdido a chance de ver em tela grande.

Agora o discurso se encaixa. Em síntese o filme se trata de uma epifania. Um homem, Jack O’Brien, ao despertar no dia do aniversário de morte do irmão mais novo e a partir de então seguir sua rotina cotidiana, começa a refletir e a se questionar sobre o paradeiro de Deus, buscando na memória, imaginação e conhecimento uma possível resposta. Somos transportados ao passado desse homem. Acolhemos sua vida desde antes do nascimento. Em narração ele pondera a infância, as incertezas, os conflitos... Mas, sobretudo, entre tantos momentos de alegria e de dor, ele indaga onde estava Deus e como, nas inúmeras faces da vida, ele era capaz de transmitir o amor e o conforto ao mesmo tempo em que traz o sofrimento, a morte, a perda, a saudade, a destruição.

Contemplar essa obra me fez compreender e reacender, com o ineditismo da imagem, o que há muito já estava enraizado em meu interior, mas havia adormecido. No filme, a personagem da mãe aponta para o céu e diz “É lá que Deus mora”. Então temos, fascinante e assombrosa, a visão do universo. As estrelas distantes, as nuvens de poeira de infinitas cores, o Sol se rompendo em chamas, o alvorecer visto do topo da atmosfera. Vemos a arquitetura dos homens, as formas sinuosas dos cânions, a violência do fogo e das águas. Um mundo em formação visto pela perspectiva microscópica das células, unindo-se, transformando-se. A vida manifestando-se nas águas, na terra, no ar. Um raciocínio que nos conduz ao tempo remoto dos dinossauros e nos mostra que, mesmo então, o entendimento entre os semelhantes, a compaixão e a fatalidade providencial já existiam. Assistimos, por fim, a derrocada dos grandes répteis, ao presenciarmos a queda do grande meteoro na Terra que, neste dia, despertou com a mesma tranquilidade de todos os outros dias e, no entanto, sem o menor aviso, foi condicionada à mudança.

Tudo isso nos propõe a percepção da igualdade das formas. Os mesmos padrões no espaço, nas folhas de uma planta, no nosso DNA, na estrutura de uma igreja, evidenciando a relação entre toda a vida e o poder da construção e destruição. Guardo um livro das Testemunhas de Jeová há muitos anos, pois gosto das ilustrações. Nele há o seguinte pensamento “Se uma bela casa tem um arquiteto, que a projetou, o universo, que é perfeito, também tem um arquiteto”. Se somos frutos de uma criação da natureza e talvez não os mais inteligentes, porém os de maior raciocínio, herdamos dessa mesma natureza o dom de projetar e desconsiderar, aniquilar. Do mesmo jeito que as formas físicas estão relacionadas, a ideia do princípio e fim também se aplica a tudo. Como a vida é uma dádiva natural, a morte é uma dádiva de igual prestígio. Tudo tem um ciclo. Nem sempre é justificado para nós, como a morte de alguém próximo ou a extinção de toda uma espécie. Porém é um fato que nada é eterno enquanto vive, senão a natureza, a Força, Deus e seus métodos. O que, por outro lado, nos torna imortais, pois somos parte dessa natureza. A mãe de “A Árvore da Vida” aponta para o céu, mas Deus é o Universo inteiro. A natureza de tudo está no todo. A Terra é parte desse Universo, somos frutos da Terra, temos os padrões da vida ao nosso redor e dentro de nós. Somos também criadores e destruidores, provocamos alegria e dor. Portanto, aprendemos a lição que de nada servirá se buscarmos a Deus lá fora e nos esquecermos de olhar pra dentro de nós mesmos.

2001: O MISTÉRIO DA EVOLUÇÃO NA ODISSEIA DE KUBRICK



Muito antes de Sean Penn encarnar os questionamentos de Jack O’Brien, o ator Keir Dullea foi lançado ao espaço com o semelhante propósito de encontrar a Deus e obter as respostas para os mistérios da vida. A aventura se trata da mais bela e revisitada ficção-científica do cinema, “2001: Uma Odisseia no Espaço”. Vejo essa fantasia espacial como o trabalho mais esmerado do diretor Stanley Kubrick. Seu raciocínio favorece diálogos com filmes posteriores, não só no modo de conduzir a perspectiva da ficção no espaço, mas traçando paralelos entre as produções pela abordagem da inquietação humana frente suas origens.

Num primeiro momento, a narrativa acompanha a jornada de homens primitivos. A princípio, a comunidade apresenta um comportamento homogêneo. Temos então a primeira amostra da Providência. Um monólito retangular surge e desaparece para um grupo específico de hominídeos. Em pouco tempo, estes seres começam a adotar posturas diferentes dos demais, como perceber que o domínio do fogo é um diferencial para a espécie. O mais importante é a forma encontrada por Kubrick para representar o primeiro raciocínio legitimamente humano, que fundamenta magistralmente não só a lógica de “2001”, como também de toda a filmografia do diretor. Um dos hominídeos brinca com a ossada de um animal. Ele pega um osso e começa a bater em outros ossos. Usando de mais força, ele bate seu osso no crânio, que se parte. É neste momento que encontramos a chave. O hominídeo percebe a capacidade de destruição daquele objeto, percebe que é possível ferir, concebe a primeira arma. Feita a descoberta, ele usa seu osso letal para afugentar outros grupos, causar pânico entre os que estão abaixo da sua capacidade de compreensão, ele mata seu semelhante gratuitamente. Eis o motor da evolução... A violência. A cultura da violência, dominação e extermínio.

Numa sequência histórica, na qual o osso girando no ar dá lugar a uma espaçonave, a narrativa salta para o futuro. Ao retratar esse 2001, Kubrick foi muito bem sucedido ao antecipar na ficção inúmeras tecnologias que de fato surgiram. Mas o foco dessa realidade é a descoberta de um monólito, idêntico ao visto pelos hominídeos, cravado na superfície da Lua. O objeto emana um sinal para um ponto longínquo no espaço, o que aguça a curiosidade e ambição dos cientistas envolvidos na descoberta, supondo que essa frequência sirva de conexão entre os homens e um ser evoluído que detenha respostas às questões mais enigmáticas.

Algum tempo depois, os astronautas Frank e Dave são enviados ao ponto onde estaria o receptor do sinal. A bordo da Discovery, eles contam com o auxílio de HAL 9000, um supercomputador infalível desenvolvido para comandar os sistemas cibernéticos da nave, capaz também de identificar e decifrar as emoções dos tripulantes para oferecer-lhes conforto, uma companhia agradável, como se tratasse de um ser racional e não programado. HAL gaba-se por isso e compreende muito mais do que aparenta saber sobre a missão. O timbre impassível adotado por Douglas Rain, que dá voz ao computador, confere um ar sinistro, causa desconforto e desconfiança sobre as intenções do mecanismo. “Hello, Dave”. É inquietante o cinismo de HAL ao saudar os tripulantes. Frank, o primeiro a perceber que há algo de errado com HAL e um mistério ainda maior acerca da missão, é logo eliminado, lançado ao espaço, por determinação do supercomputador.

HAL é obstinado. Foi programado para ser perfeito, superior, inclusive, ao raciocínio humano. O que acontece quando algo tão perfeito toma consciência disso? É novamente o hominídeo quebrando o crânio pela primeira vez. HAL sabe que é melhor, que tem o potencial necessário para alcançar o objetivo da missão. O computador enxerga com dados, vê com clareza, despido do sentimento, não titubeia entre o certo e errado, apenas cumpre seu papel. Quando isso significou eliminar os tripulantes, ele não se conteve e até sentiu prazer. O conhecimento programado, a máquina perfeita... Cain e Abel no espaço. Semente plantada na origem deste ser. De fato o primeiro computador, por exemplo, chamava-se ENIAC. Temos o nome Cain se lermos ao contrário. Assim como os computadores domésticos, que acabaram por domesticar o homem, foram popularizados pela Apple (maçã em inglês), o fruto proibido de nossa era. E também como a sigla HAL, são as letras que precedem IBM, outro gênero de computador pessoal popular no período de surgimento dessa espécie. Em “2001”, assim como nosso presente factual, fomos escravizados pela máquina. Os olhos virtuais estão por toda parte, estudando nossos métodos, nossos medos, nossas falhas. Se essa relação com os signos do Gênese é mera coincidência, não sei. Mas na espaçonave Discovery, HAL tomou consciência de que era melhor e merecedor de ser o verdadeiro gênio daquela missão.

Dave, o astronauta sobrevivente, arduamente vence a batalha contra HAL. Mas é preciso ressaltar que talvez, aos olhos do espectador comum, o computador fosse o inimigo e os astronautas os heróis humanos e óbvios. Dave se livra de HAL, mas o faz por egoísmo. Pelo medo da certeza de ser dominado, derrotado. No princípio, enquanto a máquina apenas servia, tudo estava ótimo. O computador é a criação humana, mas este humano o enxerga apenas como um escravo das suas necessidades, inclusive afetivas. HAL driblou as falhas humanas e concentrou-se no objetivo da jornada. A certeza de ter se tornado obsoleto foi o que motivou Dave a desativá-lo, acima de tudo. O homem agiu pelo instinto, mas perdeu o propósito.

A Discovery finalmente chega ao destino. Outro monólito percorre o espaço. De que forma então encontrar as respostas tão aguardadas? Não há forma. O mistério da vida é sólido e obscuro. Mas a história da vida possui um mote transparente. Como o raciocínio alcançado em “A Árvore da Vida”, temos em “2001” uma única certeza de que tudo preenche um ciclo. Tem hora para começar e terminar. Podemos passar a eternidade possível tentando alcançar as respostas mais difíceis, mas continuaremos encarando o monólito. A certeza da vida é a certeza da morte e nada mais. Os ciclos são irreversíveis. Desde o período de vida de uma pessoa à duração de uma espécie e seu domínio sobre as outras. Se o tão buscado Deus não nos dá a resposta para a origem, ele nos diz muito sobre o fim. Uma espécie é extinta por estar obsoleta, por não contribuir mais para o bom funcionamento da vida, do bem e do mal. A humanidade se extinguirá por não se adaptar mais, por ter se tornado o verdadeiro virtual e agir não pelo desejo, mas pelo medo. Se o homem vê o direito de aniquilar, por considerar inadequado, tudo aquilo que ele mesmo possui ou criou, por que Deus, sua matriz, não pensaria o mesmo?

ERAM OS DEUSES ASTRONAUTAS?

Embora os alienígenas tenham ganhado inúmeras representações no cinema, a palavra alien nos remete a um gênero específico. Para quem teve o mínimo de intimidade com esse ícone da ficção-científica, não será difícil visualizar o ser preto de pele escamosa e úmida, cabeça cônica, uma cauda enorme e inúmeras bocas. Meu raciocínio agora alcança o universo futurístico de Ridley Scott.

Um dos diretores mais versáteis de Hollywood, Scott foi um dos responsáveis por modelar e ditar os temas mais recorrentes da ficção-científica ao final do século passado. Neste ano, ele retornou ao gênero com o longa “Prometheus”, firmando conexões com dois de seus trabalhos anteriores, “Alien” e “Blade Runner”. Assistir ao filme há uns dias foi o que me motivou a toda essa análise e reflexão. A nova jornada espacial também é um paralelo lógico ao conceito de “2001”. Mas antes da novidade, farei uma breve instrução sobre o futuro preconcebido nas obras-primas de Scott.

ALIEN (1979). No futuro distante, a Nostromo, espaçonave de mineradores a serviço da Companhia, capta uma mensagem criptografada vinda de um planeta extremamente distante de nossa galáxia. Os tripulantes estão hibernados, mas o sistema da nave redireciona a rota para a origem do sinal. Como evidenciado inúmeras vezes ao longo do filme, a Companhia exige de seus funcionários no espaço que investiguem e reportem qualquer evidência de vida extraterrestre. Além disso, poderia se tratar de um pedido de socorro. Aproximando-se do planeta, os tripulantes são despertados e tomam conhecimento do fato. Um destacamento vai à superfície e descobre uma espaçonave de origem desconhecida. No interior encontram o capitão extraterrestre, mas está morto e fossilizado. Neste momento, a bordo da Nostromo, a comandante Ripley identifica a mensagem como um alerta para que não se aproximem. Porém, já era tarde. O tripulante Kane se aventura por outras seções da nave e se depara com uma infinidade de ovos alienígenas. Como fruto de sua curiosidade, Kane é atacado por uma das criaturas, que irrompe de um ovo e, expandindo uma ventosa, se prende à boca dele.

Contrário a opinião dos tripulantes que permaneceram na nave, em especial a determinada Ripley, Kane é levado pelos colegas diretamente à enfermaria, sem passar pelo período de quarentena. Ash, o cientista do grupo, demonstra enorme interesse pela criatura, sua estrutura genética, o comensalismo. O ser acaba por se desprender de Kane e morrer. Por todo o tempo, o tripulante só foi mantido vivo pela criatura por que, na realidade, estava sendo fecundado. Pois quando tudo já parecia normalizado, Kane é acometido por dores abdominais e em seguida dá à luz ao Alien, pequenino, porém letal.


A narrativa é dominada pelo horror. Com direito a perseguições, raptos, momentos de suspense intenso. Mas para nossa reflexão o mais importante é focar em Ash, o cientista, que se revela um androide. Fabricado pela Companhia, e inserido na expedição no último momento, ele já parecia estar ciente do que iam encontrar naquele planeta. Conservou o Alien e o genitor enquanto pôde, considerando-os criaturas perfeitas. Quando questionado por Ripley sobre essa opinião, Ash responde que este Alien sem dúvidas é superior ao ser humano, não só pela incrível estrutura genética, mas por ser um sobrevivente nato, um guerreiro determinado, muito além da noção precária e o falso exercício da moral humana.

BLADE RUNNER (1982). Os androides, ou replicantes, começaram a questionar sua servidão aos homens. Rebelados contra o colonialismo humano, eles tentam se livrar do caráter de objeto para viverem de acordo com seus próprios propósitos. A humanidade, encurralada pelo medo do domínio, decide se livrar dos replicantes, subestimando sua inteligência, reduzindo-os ao caráter de tecnologia em desuso. Com o auxílio da Companhia, os androides são enviados ao espaço, para realizar trabalhos nos campos de mineração na Lua e outros astros.


A trama se desenvolve quando quatro replicantes se unem e sequestram uma espaçonave. Retornam a Terra com a intenção de rastrear e encontrar seu fundador, para reivindicar seus direitos à existência, livres do regime de escravidão ao qual foram submetidos. Temendo uma represália sem precedentes, principalmente por parte do irredutível androide Roy, a Companhia contrata Rick Deckard, um mercenário, para caçar e aniquilar os replicantes fugitivos.

Por fim, chegamos à “Prometheus”.

Não vou dar uma descrição tão precisa sobre tudo, pois gostaria mesmo que você fosse ao cinema assistir, principalmente embasado pelo que já foi discutido anteriormente aqui. Apesar das relações entre as outras obras de Scott, esse filme fala muito mais do que aparenta. O fundamental é afastar o véu sedutor dos efeitos especiais e entretenimento simplório. Muitas pessoas saíram do cinema com um ar descontente, outras nem tanto, mas pude notar que não perceberam a realidade do discurso no filme.

É bom para que você também abra seus olhos, não só nesse caso específico, como no cinema em geral. Estamos lidando com arte! Portanto, nem tudo que é mostrado, que é dito, está verbalizado. Temos também que colocar nossa cabeça pra funcionar e interpretar onde estão as conexões e, sobretudo, qual o tema real do filme. E sobre esse tema eu digo qual é: a humanidade não presta! Somos egoístas, estúpidos e nos importamos apenas com nossas próprias indagações, sem questionar se as outras formas de vida estão satisfeitas conosco. Este é o tema de “Prometheus”, é essa a resposta que conseguimos afinal de contas, num equilíbrio com “2001”, a busca infundada de Deus no espaço e o olhar avançado da máquina sobre a vida orgânica.

PROMETHEUS (2012). Na abertura do filme (citando Kubrick abertamente), nos aproximamos da Terra na aurora do homem. Uma espaçonave parte daqui para o espaço, deixando um tripulante. O ser é humanoide, macho, malhado, sem pelos no corpo, pele acinzentada. No topo de uma catarata, ele toma um líquido que o corrói, o desintegra. Caindo na corrente, rio abaixo, temos um close de suas células e sua estrutura de DNA morrendo e em seguida se renovando. Esta ideia está presente ao longo de todo o filme e é algo que também já foi ressaltado aqui... Os ciclos. A vida e morte. Para o surgimento de uma nova vida, uma nova espécie, outra deve ser sacrificada.

Saltamos então para a década de 2090, na qual a arqueóloga Elizabeth Shaw descobre indícios nas artes das civilizações antigas, que apontam para a existência de um sistema de planetas que poderia ser o lar dos seres responsáveis por gerar a espécie humana, os deuses, criadores ou Engenheiros, como chamados no filme.

A descoberta desperta a ambição de Peter Weyland, o líder da Companhia, que joga com o interesse de Elizabeth em realizar a maior descoberta científica para a humanidade. Razão que descobriremos se tratar de mais um golpe do egoísmo. A Companhia então lança a nave Prometheus ao espaço em missão confidencial, para investigar e possivelmente confirmar as teorias de Elizabeth. O batismo da nave deve-se ao mito grego de Prometeu, o titã que conferiu o domínio do fogo aos homens, impulsionando a evolução da espécie.

Mesmo enfrentando o ceticismo da equipe, Elizabeth comprova sua teoria da existência de inteligência evoluída naquele sistema. A expedição descobre uma pirâmide, que aos poucos se transforma de milagre da ciência em horror e destruição (Uma nota... Os cientistas constatam que aquela construção data de aproximadamente 2000 anos antes da descoberta, coincidindo historicamente com a popularização do cristianismo). Eis o princípio da relação com “Alien”, pois os Engenheiros e sua pirâmide se tratam do mesmo espécime fossilizado e os padrões arquitetônicos encontrados pelo destacamento da Nostromo. Os exemplares de Engenheiros encontrados também estão mortos, devido a um evento ainda misterioso para a tripulação da Prometheus. Investigando a pirâmide, Elizabeth e a equipe se deparam com painéis e objetos que, para quem assistiu “Alien”, estava claro que deviam permanecer intocados. A violação desse suposto templo só havia de resultar no eterno pesadelo de Ellen Ripley anos mais tarde.

Mas o foco permanece na busca sem sentido especificado pelo Criador. Qual a ânsia em encontrá-lo? Descobrir por que fomos criados, a que propósito? Já aprendemos a resposta com o monólito de “2001”. A expedição perdida entre delírios de fé e ganância, rapidamente desfoca o objetivo. Somente um tripulante permaneceu acima das dúvidas, o androide David. Ao contrário de Ash em “Alien”, mas igualmente loiro e com sotaque britânico, David 8 é obviamente o membro mais lúcido da tripulação. Curioso como somos apresentados a ele, quando o computador de bordo o saúda “Hello, David”, numa voz incrivelmente semelhante à de HAL 9000, porém sem o cinismo habitual. É aí que está o que realmente importa. Como as soluções apresentadas nos filmes anteriormente investigados, “Prometheus” faz um tratado, do ponto de vista do androide, sobre a impotência do homem e sua indiferença com a própria criação. Encontramos então o fruto da consciência rebelde dos replicantes e a razão pela qual, em “Alien”, o androide tanto fez para proteger a nova espécie superior. Como o próprio HAL já constatava em “2001”, a eficácia humana é o verdadeiro lixo. Do ponto de vista desses mecanismos, e para mim não estão errados, são os homens que devem ser jogados fora, eliminados, substituídos por uma nova espécie. Ao contrário do que a humanidade pensa, que é a raça suprema, insubstituível, uma vez digna do fogo, digna também dos conhecimentos universais. E os homens criam para seu prazer... Não mais satisfeitos, desfazem-se daquela tecnologia. Querem alcançar sempre mais, nem sabem o quê.


Lançado o mote, a trama se desenvolve em engenhosas sequências de ação e suspense, até atingir seu ápice apocalíptico e premonitório. Mas os detalhes desses eventos e como precisamente se relacionam com aliens e replicantes, deixo a você para descobrir e refletir uma vez mais, pois, com atenção aos dados e mente aberta, encontrará paralelos e interpretações ainda maiores.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

INTRODUÇÃO



Quando a paixão é demais, às vezes fica complicado transmitir tudo pela palavra. Talvez fosse o caso de registrar as expressões em meu rosto, medir os picos de adrenalina, captar os pelos se eriçando em êxtase. Apesar das alternativas, preferi ficar com o verbo.

Nasci em Santos Dumont, no sudeste de Minas Gerais. É uma cidade pequena e corrompida. Pouco se faz pela beleza do lugar. O exercício da cultura foi abandonado. As pessoas estão apáticas, à espera de algo que não virá se elas próprias não tomarem inúmeras atitudes. Mas há alguns anos, quando a Igreja Matriz ainda era intocada, a pracinha mais verde e as pessoas mais limpas, havia um cinema.

Nessa mesma época, meu avô era o dono de uma farmácia na avenida principal. À esquerda dela ficava a pastelaria do Luís, cujos prazeres eu já experimentava desde 1989. À direita ficava o Cine Vitória. Um dia, vinte e um anos atrás, eu esperava minha mãe na farmácia para me levar pra casa. Neste ano, minha avó materna começou a perder a batalha contra um câncer. Portanto, era costume que alguém qualquer me buscasse na escola, enquanto minha mãe se ocupava em cuidar da vovó. Como sempre, naquele tempo incerto, minha mãe chegou tarde. Mas com todo o carinho, perguntou se eu queria comer algo diferente, tomar um sorvete. Como sempre amei comer, respondi que sim, obviamente. Mas enquanto saíamos da farmácia, ela parou bruscamente e olhou com admiração para uma imagem na parede. Eu não sabia o que era um cinema, não tinha ideia do que eram aquelas fotografias tão grandes coladas do lado de fora. Ninguém tinha se importado em me dizer até aquele momento. O que fez minha mãe parar de súbito era o cartaz de “A Bela e a Fera” da Disney.

Sem dizer uma palavra, ela me carregou para dentro e comprou os bilhetes. A sessão começaria em pouco tempo, pois não me lembro de fazer nada antes. Ou talvez tivesse feito... Mas a sensação de estar naquele lugar, uma sala de projeção, pela primeira vez, pode ter aniquilado qualquer pedaço medíocre dessa lembrança. O cinema era um lugar enorme, largo, teto muito alto e adornado com esculturas barrocas de gesso. Tinha camarotes, cortinas aveludadas cobrindo a tela. Não me esqueço nunca de caminhar pelo corredor que separava os dois blocos de assentos de madeira. O sentimento de ser incrivelmente pequeno. Sentamos em algum lugar central. Enquanto outros chegavam, minha mãe, com toda paciência, me explicou pela primeira vez do que se tratava tudo aquilo, de como o projetor funcionava, como seria a dimensão da imagem. E de forma ainda mais bela, contou-me sobre a história que iríamos assistir. “A Bela e a Fera”... Esse conto que ela sabia de infância, por minha avó, em igual ternura e lucidez, ter contado a ela, a única “filha mulher”, minha mãe amada, a pessoa mais forte e adorável que tanto eu, quanto nossa família possa ter conhecido.

E desse amor de berço, veio o amor intangível. Amor esse renovado a cada nova projeção, cada nova história, novos temas e formas. Depois de “A Bela e a Fera”, naquele 1991, eu não parei mais. Descobri os clássicos animados, inclusive, colecionando-os em VHS. Tive a honra de assistir o sonho árabe de “Aladdin”, “Bambi” relançado, o tão aguardado “O Rei Leão”. Recordo da imagem de Uma Thurman no cartaz de “Pulp Fiction”, que anos mais tarde revi na capa do DVD , um dos primeiros da locadora próxima da minha casa. Tanto me indaguei até constatar que vi a mesma imagem na parede do Cine Vitória, pois mesmo quando não o frequentava, não deixei mais de admirar os cartazes e as fotografias com cenas do filme, que antigamente eram expostas no hall do cinema. Pouco a pouco o live-action foi me ganhando. Na minha infância ainda era possível burlar a classificação indicativa, com minha mãe sempre me carregando pra assistir a filmes que, muitas vezes, eu nem compreendia a magnitude. Recordo-me de “A Casa dos Espíritos”, “O Corvo”, “Perdas e Danos”, “As Pontes de Madison”. E para meu prazer “O Mundo Perdido”, revisitando meus adorados dinossauros... Os encantos de “Titanic”. E, claro, “Star Wars – Episódio I”, que deflagrou minha primeira grande paixão no “cinema de gente grande”.

O Gabriel do presente já carrega milhares de filmes na memória e no coração. As paixões do passado ficaram imortalizadas. Novas caras, amores e influências continuam aparecendo. Ainda estou longe de terminar minha aventura pelo cinema, tanto passado, quanto presente e futuro. O incrível é realmente isso... Ser a fonte de um prazer inesgotável!

Hoje vivo em São Paulo. Há três meses estou aqui e o cinema se mantém meu companheiro fiel. Tanto nesse novo lugar, quanto nessa velha arte, é curioso como o inédito carrega tanto do passado. Isso em inúmeros sentidos. Estou aqui com o principal objetivo de fazer meu próprio cinema, levar minha arte, minhas ideias, minha concepção da vida às pessoas mundo afora. E paralelo ao meu trabalho e ao meu desejo, sigo a deliciosa rotina de frequentar as salas de projeção e me maravilhar com o novo, o velho, talvez ambos inéditos.

Este espaço e a escolha pela palavra foram tomados para transmitir a você minhas experiências no cinema. A partir de agora, relatarei minhas impressões sobre o que assisti e vivi. Viajaremos juntos por esse universo dos sonhos, das sensações, esse espelho da realidade em sua beleza infinita.