Quando a paixão é demais, às
vezes fica complicado transmitir tudo pela palavra. Talvez fosse o caso de
registrar as expressões em meu rosto, medir os picos de adrenalina, captar os
pelos se eriçando em êxtase. Apesar das alternativas, preferi ficar com o
verbo.
Nasci em Santos Dumont, no
sudeste de Minas Gerais. É uma cidade pequena e corrompida. Pouco se faz pela
beleza do lugar. O exercício da cultura foi abandonado. As pessoas estão
apáticas, à espera de algo que não virá se elas próprias não tomarem inúmeras
atitudes. Mas há alguns anos, quando a Igreja Matriz ainda era intocada, a
pracinha mais verde e as pessoas mais limpas, havia um cinema.
Nessa mesma época, meu avô era o
dono de uma farmácia na avenida principal. À esquerda dela ficava a pastelaria
do Luís, cujos prazeres eu já experimentava desde 1989. À direita ficava o Cine
Vitória. Um dia, vinte e um anos atrás, eu esperava minha mãe na farmácia para
me levar pra casa. Neste ano, minha avó materna começou a perder a batalha
contra um câncer. Portanto, era costume que alguém qualquer me buscasse na
escola, enquanto minha mãe se ocupava em cuidar da vovó. Como sempre, naquele
tempo incerto, minha mãe chegou tarde. Mas com todo o carinho, perguntou se eu
queria comer algo diferente, tomar um sorvete. Como sempre amei comer, respondi
que sim, obviamente. Mas enquanto saíamos da farmácia, ela parou bruscamente e
olhou com admiração para uma imagem na parede. Eu não sabia o que era um
cinema, não tinha ideia do que eram aquelas fotografias tão grandes coladas do
lado de fora. Ninguém tinha se importado em me dizer até aquele momento. O que
fez minha mãe parar de súbito era o cartaz de “A Bela e a Fera” da Disney.
Sem dizer uma palavra, ela me
carregou para dentro e comprou os bilhetes. A sessão começaria em pouco tempo,
pois não me lembro de fazer nada antes. Ou talvez tivesse feito... Mas a
sensação de estar naquele lugar, uma sala de projeção, pela primeira vez, pode
ter aniquilado qualquer pedaço medíocre dessa lembrança. O cinema era um lugar
enorme, largo, teto muito alto e adornado com esculturas barrocas de gesso.
Tinha camarotes, cortinas aveludadas cobrindo a tela. Não me esqueço nunca de
caminhar pelo corredor que separava os dois blocos de assentos de madeira. O
sentimento de ser incrivelmente pequeno. Sentamos em algum lugar central.
Enquanto outros chegavam, minha mãe, com toda paciência, me explicou pela
primeira vez do que se tratava tudo aquilo, de como o projetor funcionava, como
seria a dimensão da imagem. E de forma ainda mais bela, contou-me sobre a
história que iríamos assistir. “A Bela e a Fera”... Esse conto que ela sabia de
infância, por minha avó, em igual ternura e lucidez, ter contado a ela, a única
“filha mulher”, minha mãe amada, a pessoa mais forte e adorável que tanto eu, quanto nossa
família possa ter conhecido.
E desse amor de berço, veio o
amor intangível. Amor esse renovado a cada nova projeção, cada nova história,
novos temas e formas. Depois de “A Bela e a Fera”, naquele 1991, eu não parei
mais. Descobri os clássicos animados, inclusive, colecionando-os em VHS. Tive a
honra de assistir o sonho árabe de “Aladdin”, “Bambi” relançado, o tão
aguardado “O Rei Leão”. Recordo da imagem de Uma Thurman no cartaz de “Pulp
Fiction”, que anos mais tarde revi na capa do DVD , um dos primeiros da
locadora próxima da minha casa. Tanto me indaguei até constatar que vi a mesma
imagem na parede do Cine Vitória, pois mesmo quando não o frequentava, não
deixei mais de admirar os cartazes e as fotografias com cenas do filme, que
antigamente eram expostas no hall do cinema. Pouco a pouco o live-action foi me ganhando. Na minha
infância ainda era possível burlar a classificação indicativa, com minha mãe
sempre me carregando pra assistir a filmes que, muitas vezes, eu nem
compreendia a magnitude. Recordo-me de “A Casa dos Espíritos”, “O Corvo”, “Perdas
e Danos”, “As Pontes de Madison”. E para meu prazer “O Mundo Perdido”,
revisitando meus adorados dinossauros... Os encantos de “Titanic”. E, claro, “Star
Wars – Episódio I”, que deflagrou minha primeira grande paixão no “cinema de
gente grande”.
O Gabriel do presente já carrega
milhares de filmes na memória e no coração. As paixões do passado ficaram
imortalizadas. Novas caras, amores e influências continuam aparecendo. Ainda
estou longe de terminar minha aventura pelo cinema, tanto passado, quanto
presente e futuro. O incrível é realmente isso... Ser a fonte de um prazer
inesgotável!
Hoje vivo em São Paulo. Há três
meses estou aqui e o cinema se mantém meu companheiro fiel. Tanto nesse novo
lugar, quanto nessa velha arte, é curioso como o inédito carrega tanto do
passado. Isso em inúmeros sentidos. Estou aqui com o principal objetivo de
fazer meu próprio cinema, levar minha arte, minhas ideias, minha concepção da
vida às pessoas mundo afora. E paralelo ao meu trabalho e ao meu desejo, sigo a
deliciosa rotina de frequentar as salas de projeção e me maravilhar com o novo,
o velho, talvez ambos inéditos.
Este espaço e a escolha pela
palavra foram tomados para transmitir a você minhas experiências no cinema. A
partir de agora, relatarei minhas impressões sobre o que assisti e vivi. Viajaremos
juntos por esse universo dos sonhos, das sensações, esse espelho da realidade
em sua beleza infinita.
Não tenho certeza, mas acho que o primeiro filme que vi foi Jurassic Park em 93, já que sempre fui apaixonado por dinossauros. O Rei Leão vi 3 vezes, não apenas pela minha outra paixão, felinos, mas porque foi o único filme que me fez chorar. Titanic vi apenas uma vez. Nunca mais quis ver de novo porque era uma tragédia real e não queria relembrar ela tantas vezes. Sorte que na minha cidade ainda tem cinema. Aquela sala escura é sempre tão aconchegante... Sorte pra você aí em Sampa garoto.
ResponderExcluirAcho que meu primeiro foi "O magico de Oz" Uma bela maneira de se iniciar na telona, creio eu! rsrsrs
ResponderExcluirBoa sorte com o Blog!
Sinto-me a personificação do meu próprio ultraje por não saber qual foi o meu primeiro filme. Espera! Não me martirizarei tanto, pois a minha infância parece hoje aos meus olhos muito mais repleta de "recalcamentos" que de filmes. Contento-me com recordações de momentos sublimes com "A Espada Era A Lei", "A Bela Adormecida", "Pagemaster". Algum "Tom & Jerry" e "Pica-pau", seriados e esporádicos. Não obstante a este bloqueio de lembranças valiosas, há inegável e suficiente memória para o meu alento de que a imaginação sempre foi uma ferramenta estimulada - durante a infância. Ah! Não vou esquecer também das 'Mary Kate e Ashley', hihihi...
ResponderExcluirÓtimo pontapé para o teu Olhar em Transe :)