quarta-feira, 20 de junho de 2012

INTRODUÇÃO



Quando a paixão é demais, às vezes fica complicado transmitir tudo pela palavra. Talvez fosse o caso de registrar as expressões em meu rosto, medir os picos de adrenalina, captar os pelos se eriçando em êxtase. Apesar das alternativas, preferi ficar com o verbo.

Nasci em Santos Dumont, no sudeste de Minas Gerais. É uma cidade pequena e corrompida. Pouco se faz pela beleza do lugar. O exercício da cultura foi abandonado. As pessoas estão apáticas, à espera de algo que não virá se elas próprias não tomarem inúmeras atitudes. Mas há alguns anos, quando a Igreja Matriz ainda era intocada, a pracinha mais verde e as pessoas mais limpas, havia um cinema.

Nessa mesma época, meu avô era o dono de uma farmácia na avenida principal. À esquerda dela ficava a pastelaria do Luís, cujos prazeres eu já experimentava desde 1989. À direita ficava o Cine Vitória. Um dia, vinte e um anos atrás, eu esperava minha mãe na farmácia para me levar pra casa. Neste ano, minha avó materna começou a perder a batalha contra um câncer. Portanto, era costume que alguém qualquer me buscasse na escola, enquanto minha mãe se ocupava em cuidar da vovó. Como sempre, naquele tempo incerto, minha mãe chegou tarde. Mas com todo o carinho, perguntou se eu queria comer algo diferente, tomar um sorvete. Como sempre amei comer, respondi que sim, obviamente. Mas enquanto saíamos da farmácia, ela parou bruscamente e olhou com admiração para uma imagem na parede. Eu não sabia o que era um cinema, não tinha ideia do que eram aquelas fotografias tão grandes coladas do lado de fora. Ninguém tinha se importado em me dizer até aquele momento. O que fez minha mãe parar de súbito era o cartaz de “A Bela e a Fera” da Disney.

Sem dizer uma palavra, ela me carregou para dentro e comprou os bilhetes. A sessão começaria em pouco tempo, pois não me lembro de fazer nada antes. Ou talvez tivesse feito... Mas a sensação de estar naquele lugar, uma sala de projeção, pela primeira vez, pode ter aniquilado qualquer pedaço medíocre dessa lembrança. O cinema era um lugar enorme, largo, teto muito alto e adornado com esculturas barrocas de gesso. Tinha camarotes, cortinas aveludadas cobrindo a tela. Não me esqueço nunca de caminhar pelo corredor que separava os dois blocos de assentos de madeira. O sentimento de ser incrivelmente pequeno. Sentamos em algum lugar central. Enquanto outros chegavam, minha mãe, com toda paciência, me explicou pela primeira vez do que se tratava tudo aquilo, de como o projetor funcionava, como seria a dimensão da imagem. E de forma ainda mais bela, contou-me sobre a história que iríamos assistir. “A Bela e a Fera”... Esse conto que ela sabia de infância, por minha avó, em igual ternura e lucidez, ter contado a ela, a única “filha mulher”, minha mãe amada, a pessoa mais forte e adorável que tanto eu, quanto nossa família possa ter conhecido.

E desse amor de berço, veio o amor intangível. Amor esse renovado a cada nova projeção, cada nova história, novos temas e formas. Depois de “A Bela e a Fera”, naquele 1991, eu não parei mais. Descobri os clássicos animados, inclusive, colecionando-os em VHS. Tive a honra de assistir o sonho árabe de “Aladdin”, “Bambi” relançado, o tão aguardado “O Rei Leão”. Recordo da imagem de Uma Thurman no cartaz de “Pulp Fiction”, que anos mais tarde revi na capa do DVD , um dos primeiros da locadora próxima da minha casa. Tanto me indaguei até constatar que vi a mesma imagem na parede do Cine Vitória, pois mesmo quando não o frequentava, não deixei mais de admirar os cartazes e as fotografias com cenas do filme, que antigamente eram expostas no hall do cinema. Pouco a pouco o live-action foi me ganhando. Na minha infância ainda era possível burlar a classificação indicativa, com minha mãe sempre me carregando pra assistir a filmes que, muitas vezes, eu nem compreendia a magnitude. Recordo-me de “A Casa dos Espíritos”, “O Corvo”, “Perdas e Danos”, “As Pontes de Madison”. E para meu prazer “O Mundo Perdido”, revisitando meus adorados dinossauros... Os encantos de “Titanic”. E, claro, “Star Wars – Episódio I”, que deflagrou minha primeira grande paixão no “cinema de gente grande”.

O Gabriel do presente já carrega milhares de filmes na memória e no coração. As paixões do passado ficaram imortalizadas. Novas caras, amores e influências continuam aparecendo. Ainda estou longe de terminar minha aventura pelo cinema, tanto passado, quanto presente e futuro. O incrível é realmente isso... Ser a fonte de um prazer inesgotável!

Hoje vivo em São Paulo. Há três meses estou aqui e o cinema se mantém meu companheiro fiel. Tanto nesse novo lugar, quanto nessa velha arte, é curioso como o inédito carrega tanto do passado. Isso em inúmeros sentidos. Estou aqui com o principal objetivo de fazer meu próprio cinema, levar minha arte, minhas ideias, minha concepção da vida às pessoas mundo afora. E paralelo ao meu trabalho e ao meu desejo, sigo a deliciosa rotina de frequentar as salas de projeção e me maravilhar com o novo, o velho, talvez ambos inéditos.

Este espaço e a escolha pela palavra foram tomados para transmitir a você minhas experiências no cinema. A partir de agora, relatarei minhas impressões sobre o que assisti e vivi. Viajaremos juntos por esse universo dos sonhos, das sensações, esse espelho da realidade em sua beleza infinita.

3 comentários:

  1. Não tenho certeza, mas acho que o primeiro filme que vi foi Jurassic Park em 93, já que sempre fui apaixonado por dinossauros. O Rei Leão vi 3 vezes, não apenas pela minha outra paixão, felinos, mas porque foi o único filme que me fez chorar. Titanic vi apenas uma vez. Nunca mais quis ver de novo porque era uma tragédia real e não queria relembrar ela tantas vezes. Sorte que na minha cidade ainda tem cinema. Aquela sala escura é sempre tão aconchegante... Sorte pra você aí em Sampa garoto.

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  2. Acho que meu primeiro foi "O magico de Oz" Uma bela maneira de se iniciar na telona, creio eu! rsrsrs
    Boa sorte com o Blog!

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  3. Sinto-me a personificação do meu próprio ultraje por não saber qual foi o meu primeiro filme. Espera! Não me martirizarei tanto, pois a minha infância parece hoje aos meus olhos muito mais repleta de "recalcamentos" que de filmes. Contento-me com recordações de momentos sublimes com "A Espada Era A Lei", "A Bela Adormecida", "Pagemaster". Algum "Tom & Jerry" e "Pica-pau", seriados e esporádicos. Não obstante a este bloqueio de lembranças valiosas, há inegável e suficiente memória para o meu alento de que a imaginação sempre foi uma ferramenta estimulada - durante a infância. Ah! Não vou esquecer também das 'Mary Kate e Ashley', hihihi...

    Ótimo pontapé para o teu Olhar em Transe :)

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